domingo, 25 de julho de 2010

Perinho Santana – o poeta da vida e da natureza


"Eu sonhava com esse livro.
Se eu morrer hoje, morro feliz"

Perinho Santana, 25 de julho de 2010



Péricles Bonfim de Santana (foto), Perinho – apelido dado por seus pais e avós – agora conhecido como Perinho Santana, é um homem simples, de pouca conversa, olhar cabisbaixo, gestos comedidos. Mora sozinho em uma casa-livro, em Plataforma, bairro do subúrbio ferroviário de Salvador. Ele é divorciado, pai de Mateus Santana, 20 anos, que vive com a mãe, em Brotas. O interior da casinha de três cômodos onde ele vive tem poesias em todas as paredes, na sala – que também serve de cozinha -, e nos dois quartos.
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Em 1999, aos 40 anos de idade, começou a escrever, motivado pela curiosidade que as letras lhe causaram quando, aos 8 anos, começou a alfabetização na igreja evangélica que os pais freqüentavam. Sua inspiração foi a Bíblia, “a palavra de Deus”, e a própria palavra “Deus” que, segundo acredita, é a única palavra positiva escrita com a letra “d”. “As demais são negativas, mundanas”, diz. Ao associar letra com letra, foi se habituando a sentir o som de cada palavra, criando uma poesia simples e objetiva.
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Seus poemas falam de vida, de paz, de natureza, sentimentos e saudades. Sua obra grava nos muros a recordação de amigos que se foram do bairro e dos que morreram. Eterniza a nostalgia, registra a história viva do lugar onde vive desde criança. É uma relação umbilical que o poeta tem com a Mata Atlântica e com o sentimento de pertencimento a Plataforma e à sua gente.
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Esta mesma gente querida apaga as páginas do seu livro-muro, destrói os escritos de Perinho. Muitas das ‘páginas’ já foram apagadas ou foram pichadas, outras foram destruídas pelo tempo. Os muros que ele costuma usar como páginas para suas palavras pertencem a uma empresa de transporte ferroviário. “O muro da viação férrea parece que foi feito de páginas de livros, todas em branco. Algumas estavam sujas e depredadas. Eu pinto o muro com tinta branca, escrevo meus poemas e faço desenhos para ilustrar, dou vida e beleza ao que antes era só feiúra”.
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A mania de pintor é mais recente. “Eu escrevia os poemas e pagava para alguém ‘pintar’ nos muros, sob minha supervisão”. Depois ele resolveu realizar todo o trabalho, “para economizar e porque a pintura também me atraiu”, confessa. Hoje, com 46 anos de idade, Perinho Santana diz já ter escrito mais de 300 páginas do seu livro-muro. Ele já tentou publicar um livro convencional, mas não conseguiu patrocínio para seu projeto. “Meus poemas são lidos por quem quiser, pois está acessível, gratuitamente, pelo bairro inteiro”, se orgulha.
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Perinho se ressente de não ter registrado todos os seus escritos em papel. “Agora não tenho como resgatar o que foi destruído nos muros”, lamenta. Há dois anos ele passou a escrever num caderninho as mesmas poesias que ‘pinta’ nas páginas-muros do bairro, “pois o restante se perdeu. Ficou gravado, apenas, nos olhos de quem viu e leu”, desabafa.
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O poema predileto de Perinho não foge ao tema central dele:
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Natureza-mãe
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É um grande espetáculo
Trovões e estrondos para todos os lados
Relâmpagos deixando a noite em claro
Chuvas grossas varrendo o chão
O céu negro dizendo que precisa chorar
O mar bravo espumando a sua ira
É um grande espetáculo
E nem por isso o homem sabe prezar a vida.

Para não esquecer a poesia

Perinho Santana (foto: Vagner Paixão)
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O trabalho artístico do poeta Perinho Santana é de se admirar. Tanto a obra quanto o seu criador evocam compromisso social, preocupação com o meio ambiente, com as pessoas, a preservação da memória afetiva, as relações que regem a comunidade, ou seja, tudo aquilo que a sociedade moderna rejeita: carinho, cuidado, afetividade, respeito, solidariedade.

A poesia de Perinho nasce e cresce em Plataforma, um bairro eminentemente negro, de origem e de cor, que ainda teima em se destacar do resto da cidade. Ali, nos escombros da história, nas ruas onde os holandeses marcharam na tentativa de dominar a cidade e se estabelecer em Salvador, a poesia, os desenhos manuais e a magia do poeta se impregnam.

Onde não há papel, formulário, apoio institucional, Perinho insiste; e sua marca fica incrustada nos muros da estação de trem, nas paredes, na memória de quem por ali passa. Seus poemas de protesto revelam uma alma inconformada e incansável de um guerreiro das letras. A marca do poeta fica gravada nas muralhas que separam a Salvador pujante do século XXI e a Salvador da pobreza e do descaso social.

Pelos menos um cavaleiro levanta sua espada contra a desigualdade e luta, solitário, para derrubar o muro da insensatez, numa batalha contra o esquecimento, contra a falta de incentivo dos projetos culturais governamentais, contra a falta de respeito à cultura popular.

É assim que vejo a poesia e a pintura de Perinho Santana. E, por isso, patrocinei a publicação desse primeiro livro dele, na tentativa de eternizar a memória de Perinho e de Plataforma.

Valdeck Almeida de Jesus
Escritor, Poeta, Jornalista e Mecenas
http://www.galinhapulando.com/